segunda-feira, 28 de março de 2011

Infinitivo

Ah... vou penar
Se for preciso rigidez ao coração
Melhor abdicar
Se for esperar passos firmes das pernas vacilantes
Prefiro adiar
Se essa melodia depender do meu tino
Melhor desafinar
E se de calma for preciso
Me ponho a desesperar
E se a espera for tão longa
Mais fácil adiantar
Mas se o muro for tão alto
Desisto de pular
E se a fuga for à noite
Espera madrugar
E se não houver luz no fim do túnel
Melhor não arriscar
E se ela não quiser vir
Prefiro não pensar
E se eu me perder enfim
Por ela valerá

Ah... vou pensar
Se ser poeta é minha sina
Melhor me castigar
Se os que leio sofrem nessas rimas
Prefiro me apartar
Pois já no sofrimento que vivo
Não sei suportar
Serei sugado pela morte
Por viver a buscar
O intenso desfecho de felicitar
Olhando num espelho
E congratular
Minha face em gracejo
Por se contentar
Estando o peito a me confrontar
A quem de direito irei reclamar
Se coisa sem jeito
É o indivíduo gostar
Da mulher que vive a se esquivar
Quão doce ilusão é me imaginar
Estando contigo em qualquer lugar
E nada pudesse nos atrapalhar
E a fome que desse fosse de amar
E a sede que desse fosse de beijar
E o frio que desse a mão fosse esquentar
E o calor que desce fosse de queimar
A queimadura que desse a boca ia aliviar
E a flor que eu te desse fosse ali selar
Esse sonho de amar e jamais represar
E com todas minhas rimas presentear
Aquela menina com medo de amar
A doce cantiga e se apaixonar
Perder-se pelo poeta que vive a penar

Que seja da vida eu perder o ar
E a morte furtiva venha me abraçar
E a vida vivida fosse se acabar
E a que seria contigo não realizar
Todos os meus versos iam se apagar
E nada desse tempo iria ficar
E todas as memórias a se dissipar
E os anjos em lamentos por nada vingar

Que Deus me ampare quando eu for chegar
E que me abra os portões do meu novo lar
E a recompensa eu receba por lá
Dos meus sofrimentos que tive por cá
E que regozijo será contemplar
Aqueles meus versos em tinta azular
Nos murais dos servos que souberam amar
Por misericórdia que conste os meus lá
E enquanto tu vives vou te esperar
E quando chegares nesse dia sem par
O plano celeste saiba apreciar
Aquela que o Divino resolveu usar
Para este poeta poder se inspirar
E fazer esses versos e poetizar
E que caiam como chuva a abençoar
Os viventes dessa terra com medo de amar
E o cristo-poeta jamais precisar
Sofrer por mais nada e poder deitar


in omne aeuum...

quinta-feira, 17 de março de 2011

Prováveis Capacidades

Eu seria capaz de cartografar o relevo do teu rosto.
Seria capaz de recriar a coloração da tua pele em qualquer superfície plana.
Seria exato na resposta quanto a tua ergonomia. Sei das tuas extensões.
Eu seria capaz de identificar a tua sombra.
Seria capaz de esculpir teu vulto.
Seria hábil ao talhar tuas mãos em mármores, pedras brutas...
Conheço-as e sei dos seus toques, sua textura.

Seria capaz de farejar teu aroma.
Seria capaz de notar ao longe o brilho da leve penugem descolorida das tuas coxas.
Seria exato na localização dos pontilhados do teu corpo.
Seria capaz de descansar mais e melhor num abraço teu que em minha própria cama.
Seria belo tê-la aqui.
E seria inesquecível poder testar tudo isso. Testar toda essa minha habilidade de você.

Provar-te provando-te.
Beijá-la testando-te.

Notando até onde teu corpo aguenta.
Notando até onde teu corpo suporta. Até quando teu corpo me suporta.
Meu peso, meu beijo, minhas intensidades, meus suspiros te inalando. Como se tivesse em mim, te armazenando.
Respirando profundamente como um homem em afogamento. Na busca do aproveitamento da atmosfera que é você.
Eu seria capaz de ir te buscar
Eu seria rápido nessa hora
E te carregaria
E no caminho já te testaria
Se suportaria
Meus exageros e minha euforia.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Refletindo Marés da Vida

(de um grande amigo...)

Quando olho a maré em seu fluxo-refluxo,
no vai-e-vem infindável rebentando-se nas rochas
e se espalhando numa informe mancha branca espumejante,
fico pensando em mim, na minha ambivalência,
na indecisão de um querer-não-querer em que me encontro
tantas vezes nesta minha travessia...

Quantas vezes eu percebo que minha própria vontade
se desmancha em fragmentos borbulhantes que se apagam toda vez que reajo e que me choco com os recifes da vida...
a única esperança reside no refluxo da maré...

Kürios Khronos

terça-feira, 8 de março de 2011

Escrevo-te

Escrevo-te atordoado pelo medo. Escrevo-te em pleno terror. Escrevo-te no pavor de um breu que me alcançou. Escrevo-te com o temor de um oprimido. Escrevo-te em garranchos. Escrevo-te perdido em confusão. Escrevo-te sem saída. Escrevo-te em pânico.

Escrevo-te com uma sede. Com uma fome. Com uma vontade. Com um querer.
Escrevo-te sem entendimento. Nas linhas. Nos versos. Nas quadrinhas. Nas rimas.
Escrevo-te aturdido. Escrevo-te vivo. Escrevo-te morto. Escrevo-te exausto.
Escrevo-te perdido.

Perdidamente sem chão. Perdidamente num querer ser entendido.
Num querer de ser atendido e suportado por algo que tu tenhas aí guardado para alguém.
Escrevo-te perdidamente afim que esse alguém seja eu.

Do contrário. Sendo outro o destinatário disso que tens aí, guardado em ti. Será o fim de tudo. E o início de tudo.
Por isso, amiga, escrevo-te assim. Escrevo-te apavorado.
Escrevo-te, por fim, esse texto angustiado
Pois
Hoje desejei, perdidamente, num momento de fraqueza, ser seu namorado.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Cria

Hoje a saudade não me escapa
Hoje tem hora marcada
A saudade terá fim
Amarrarei um laço nela
Darei golpes de fivela
Amassarei tampa de panela
Se bobear
Arrisco um chute de trivela

E lá vai ela

Quica, Saudade!
Quica!

Hoje esmago essa saudade
Hoje nenhum pingo de bondade
Nem caldo da caridade
Hoje nem escuto
Nem falo
Hoje a saudade desce pelo ralo
Vou matar sem piedade
Não pedirei nem resgate

E lá vai ela

Sangra, Saudade!
Sangra!

Sangra, que a morte é o que há de certo
Até o nascimento doutra
Até fingir-se pouca
Em minha eterna triste sorte
De ser criadouro das tuas criaturas
De sempre ver tuas nascituras
E me fazer crer que um dia há de morrer
A última cria tua


Nasce, Saudade!
Nasce!

Morre, Saudade!
Morre!