quarta-feira, 20 de abril de 2011

Batiza

Há de renascer no peito ainda um broto da pequena planta de esperança num viver e amar possível.
Há de brotar do seco terreno ainda uma fonte que faça filetes de água percorrer a ferida aberta.
Há de ser limpo e bem cuidado esse chão pra que com o tempo volte a ser fecunda essa terra.
Há de reaparecer aquilo que nutre os grãos.
Há de ser terra em que se planta, tudo o que der muito fruto, permaneça.
Há de tudo florescer ali.
Há de ser pomar, um dia.
Há de ter sombra depois de tudo crescido.
Há de ter frutos maduros sempre.
Há de ter vento soprando constantemente.
Há de ter um banco de praça, ou uma lisa rede branca.
Há de ser jardim.

E quando pronto estiver, de pronto direi:
Batiza. Esse jardim é teu.
E como teu será, não haverei de reclamar
Se de maneira simplória resolveres chamar
Este singelo lugar de - coração.

Batiza. Esse jardim é teu.

sábado, 16 de abril de 2011

oposto

É a morte e a vida
A dor e o gozo
O liso e o grosso, a aspereza na pluma
O forte, o muro, a cerca
É o seco e o encharcado
É o murro e o afago
A flor e a foice

É assim a dor e o amor que sinto
Bem querer e rancor
É o vingar-se
Morrendo de vontade de amar
É a raiva
A sede de hostilidade
E o desejo de cobrir-te de abraços
E dizer que te perdoo
E dizer-te: nunca mais
E querer o pra sempre
E te desejar toda paz
Querendo a guerra
Pra que te sangre a alma
E assim grites meu nome
E eu te receba na mais fina calma
Ou te ignore com brutalidade enorme

É doce
E é azedume
É ácido
É levemente corrosivo
Ao passo que se mostra construtivo
É perfume. É aroma
É essência. É lavanda
É o resto. É o lixo
É o podre. É a lama
É um pé de uma fruta qualquer
É a praga que mata lavoura
Empobrece. Enobrece
Vem e vai
Some. Cresce
Envelhece
Rejuvenesce

Canção que me chega grito aos ouvidos
Quero o teu fim
E o teu início
Que seja em mim
Que seja eu o fim da tua linha
E que eu seja a ponte
E o precipício

Que se apague
Que se grave
Pois é de se considerar trágico
E de pra sempre se orgulhar

sábado, 2 de abril de 2011

a Deus

Eu queria repouso.
E toda lentidão do mundo.
E pausas.
E todo adiamento.
Um tempo arrastado e de paz.
Tempo de contentamento.

Queria não me dar a sentimentos.
Queria o não ser.
Eu queria ser preguiçoso no querer.
E muito mais, queria não contender.
Com a vida.

Queria a conformidade.
Queria não mastigar pensamentos.
Queria saber querer por querer.
Queria ser gelo.
E queria distância eterna do fogo.

Queria nunca derreter.

Queria assim não ser.
Se assim pudesse escolher.

Eu queria um fim.
Uma utilidade sem dor.
E queria logo.

Queria o esquecimento.
Pois, se aguardo
Será tarde o momento
Não poderei retornar.

E as noites dos meus dias vão chegar.

Eu queria a paz.
E o som do nada.
Queria a madrugada.
E a fuga.

E não queria mais nada.

Um Corpo

Passa-se o tempo
E nós decompomos
E morremos
Por vezes aos poucos
Muito mais que lentamente

E eis que cruelmente
E muito mais
Mas muito mais que lentamente
Vem a degeneração do ser
O atrofiamento da vida
A desnutrição da alma
A inanição do espírito
A fragilização das reações
A impotência do querer
A perda da luz que existia
A distância da beleza da infância
A pouca vontade
E as imensas mentiras

E um corpo
À definhar
E entregar-se

E a infelicidade
O verme maior dos vivos
Parasitária
Se alimenta
E cresce
Cresce
Até que mortifica